segunda-feira, 14 de março de 2011
Yeda Maria Vargas - entardecer no Olimpo
fonte /revista Época
A deusa empurrava o carrinho de supermercado quando uma mortal lhe arrancou os óculos escuros com um golpe. As duas encararam-se de rosto nu entre extratos de tomate e conservas de pepino: "Ieda Maria Vargas", exclamou a mulher. "Não acredito que você está assim." A diva sentiu a navalha da indelicadeza perfurar o corpo outrora perfeito. "Sou eu mesma. Você não envelheceu? Eu também envelheci." Quando ambas deixaram o supermercado, em Porto Alegre, algo havia mudado no reino das divindades.
Sim, ela mesma. Ieda Maria Vargas, a mais bela do mundo em 1963, gostaria de subverter a roda do destino. Aos 55 anos, desejaria ser mais divina e menos mortal. E abortar o golpe reservado às mulheres, de quem se exige nada menos que a eterna juventude.
Acomodada no trono doméstico, Ieda demonstra ser uma mulher mais interessante que a mocinha de 18 anos batizada de Baby durante o concurso. Naquela ocasião, a miss foi procurada por Peter Sellers para ser estrela de cinema. Deu a resposta recomendada a uma menina de família: "Vou voltar para Porto Alegre, casar e ter filhos", disse ao futuro inspetor Clouseau. Poderia ter sido ela, e não Claudia Cardinale, a brilhar em A Pantera Cor-de-Rosa. Vargas poderia ter sido Cardinale. Teria sido mais feliz?
Ieda voltou ao Rio Grande do Sul, onde distribui até hoje autógrafos pelas ruas. Casou-se virgem com o empresário José Carlos Athanasio em 1968, imune à agitação que sacudia o país. Teve um casal de filhos de parto natural, tomou anticoncepcionais quando ficaram na moda, descobriu o orgasmo depois dos 30. Recusou o previsível convite da Playboy, aceitou comandar cursos de etiqueta. Tragando um cigarro atrás do outro, Ieda suspira. "Dizer que o importante é envelhecer com dignidade é só uma frase feita. Essa dignidade incomoda."
Ela era muito jovem quando descobriu a mortalidade. Depois de um ano desfrutando o Olimpo, entregou o cetro à nova divindade. Quando a faixa se transferiu de corpo, os flashes também deslocaram seu foco. Ieda descobriu-se só no palco que a havia consagrado. "Foi a primeira vez que chorei em público. Pensei: sou um objeto."
A miss deposta voltou para casa, onde acreditava estar segura para sempre. "Descobri que o mundo fashion não é fada madrinha", admite. Por isso doeu tanto quando lhe arrancaram os óculos. Porque lhe despiram as vestes da imortalidade dentro de seu reino. Por ter circunscrito sua beleza a território tão exíguo, esperava ao menos o tributo de perdoarem-lhe os sinais do tempo.
Sim, Ieda Vargas dobra os ombros ao impossível exigido às mulheres - e às deusas ainda com mais ênfase. Quer voltar aos 58 quilos dos 18 anos. "Estou gorda." Abandonou o biquíni nas areias de Punta del Este há dois anos. "Não quero que apontem as celulites." Pinta o cabelo desde que pressentiu o primeiro fio branco. Jamais é flagrada em público com os óculos de grau que a acompanham há algum tempo. Planeja submeter o rosto ao bisturi.
A menopausa manifestou-se no banco traseiro do carro. "Abra o vidro", ordenava. "Está um calorão." Queixando-se em seguida: "Quer me congelar?" O motorista arriscou o emprego: "Dona Ieda, a senhora não leva a mal, mas acho que está no climatério". Os olhos de mel escureceram e a língua estalou como um açoite: "Cli-ma-té-rio?" Tinha só 38 anos.
Como qualquer mulher, Ieda precisa aprender a envelhecer. E se não conseguir? Aquela que um dia foi a mais bela do mundo copia a lição de Greta Garbo. "Vou continuar me cobrindo. E ninguém saberá. Seguirei sendo um mistério." Improvável. No universo de Ieda sempre haverá uma mortal disposta a arrancar a máscara das divindades.
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